Igreja nas casas x Igreja em células – algumas diferenças
Você acha que cada crente, se treinado, possui a capacidade de liderar uma célula, um núcleo, etc? Liderar também não seria um dom, e com isso chocaria com o princípio do ministério orientado por dons?
Caro leitor:
Os modelos de crescimento (G12, MDA e afins) trouxeram um certo renovo à Igreja institucional pelo princípio da descentralização ministerial. Os pastores entenderam que deveriam cumprir na prática, e não somente em retórica, o que diz a Palavra de Deus:
… e o que de mim ouviste de muitas testemunhas, transmite-o a homens fiéis, que sejam idôneos para também ensinarem os outros (2 Tim. 2:2).
Muitos pastores gritaram raivosamente de seus púlpitos contra os modelos de crescimento no final da década de 90 mas, mais de 10 anos depois do “boom” do movimento celular no Brasil, a poeira já abaixou e o G12, aparentemente, não é mais tão ruim assim: o Malafaia já beijou o Terra Nova, e muitos dos que outrora condenavam o movimento celular eregiram os mesmos pilares de “ganhar, consolidar, discipular e enviar” em suas Igrejas – somente mudaram a nomenclatura de algumas coisas para evitar algum tipo de associação ao G12. 1
No tocante à multiplicação de líderes, devo reconhecer que esta foi uma mudança de paradigmas positiva trazida pelo movimento celular à Igreja institucional. O G12 democratizou a prática do ministério, devolvendo-o às mãos do povo (de onde nunca deveria ter saído) e descentralizou as atividades da Igreja, antes limitadas no “templo”, espalhando a Igreja pela cidade por meio de grupos caseiros chamados “células”. O crescimento foi o resultado natural.
Entretanto, em minha opinião, a abordagem do modelo celular carece de melhorias. Muitos anos já se passaram desde “a onda de Bogotá” (que já baixou), e hoje a abordagem celular vem se flexibilizando e se adaptando à necessidade das igrejas locais (ao invés de ser uma metodologia inflexível ditada pelo manual colombiano). Sei que há gente madura que trabalha de forma séria neste tipo de estrutura e que tem identificado e tentado remediar os mesmos problemas que aponto a seguir:
“Cada Crente um Ministro”
“Cada crente um ministro” na Igreja celular normalmente quer dizer que o alvo de cada crente deve ser “liderar uma célula” – o que normalmente se entende por pregar ou conduzir um estudo bíblico nas casas. Alguns preparam seu próprio estudo, outros são obrigados a facilitar o estudo da “mensagem de domingo”. A exemplo daquilo que já se faz na Igreja tradicional, “ministro é aquele que prega”, ou seja, há o favorecimento de uma uniformização ministerial em contraste com o ministério orientado por dons. Penso que esta é uma das grandes diferenças entre a Igreja em células e a Igreja nos lares, muito embora as pessoas se confundam na terminologia.
O perigo está na possibilidade de algumas igrejas celulares se converterem em verdadeiras máquinas de xerox e o discipulado se tornar uma “linha de produção”: todos os seus ministros saem com o mesmo formato, com as mesmas funções, ministrando da mesma forma e falando praticamente a mesma coisa. Como os líderes todos possuem o mesmo molde, muita gente se vê obrigada a ser “líder de célula” (isto é, ensinar nos grupos caseiros) e acaba consequentemente operando fora de seu dom. Os resultados, muitas vezes, são os mais catastróficos. Algumas igrejas celulares são como enormes granjas que produzem suas galinhas em massa, todas com a mesma ração, todas com o mesmo tratamento. Não há espaço para a espontaneidade, nem para a expressão do dom natural de cada crente. O resultato é que os programas e as metas de crescimento acabam substituindo o relacionamento.
Em um ambiente orgânico de Igreja…
… o alvo é , igualmente, “ganhar, consolidar, discipular e enviar” com a diferença de que alguns princípios são observados:
1) Discípulo não é como bolo, que se coloca 40 minutos no forno e já está pronto. Não há programa a ser cumprido, não há receita de bolo a ser seguida, não há tempo estabelecido para a formação de um ministro. O desenvolvimento do discípulo deve ser natural e a seu próprio tempo, fruto das juntas e medulas do Corpo bem conectadas e ajustadas, isto é, relacionamentos profundos que, além de estudos bíblicos, proporcionem ensinamentos práticos através da comunhão, da admoestação, do encorajamento e do serviço mútuos.
2) O alvo de todo discípulo deve ser se tornar um ministro (servidor) da Nova Aliança. Isso não quer dizer que todos se tornarão pregadores ou “líderes de célula”. Quer dizer que ministrarão aos demais santos de acordo com seu dom natural em um ambiente de congregação: seja doutrina, seja profecia, seja hospitalidade, seja administração. A sabedoria de Deus é multiforme, e não uniforme.
3) Líderes não são escolhidos por cumprirem um determinado programa, e sim por seu caráter, maturidade espiritual e bom testemunho.
4) Líderes não dominam as reuniões. Há um esforço consciente para o cultivo da espontaneidade do Espírito em que outros dons se manifestem no ajuntamento, por meio de outros membros do Corpo local, não somente através do líder.
5) Líderes não dominam ou controlam o rebanho. São irmãos com mais tempo de caminhada que, por sua experiência e caráter comprovados, orientam os irmãos mais novos na fé e influenciam (não impõem) a Igreja na tomada de decisões.
Concluo com as sábias palavras de Pedro:
Servi uns aos outros, cada um conforme o dom que recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus. (1 Pe 4:10)
NOTAS:
- Um exemplo de como as coisas mudam: um pastor brasileiro, conhecido em São Paulo, foi um dos maiores opositores do G12 em sua cidade, e levou até mesmo o Silas Malafaia para pregar em sua igreja contra o movimento no final dos anos 90. No ano de 2006, estive no Estado americano de Connecticut e lá visitei uma comunidade evangélica de brasileiros ligada ao G12. Para minha surpresa fiquei sabendo que, uma semana antes de minha passagem por lá, este pastor havia não somente pregado nesta igreja, mas havia também participado de um Encontro.
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