sábado, 17 de outubro de 2015

A Liturgia das Reuniões da Igreja Primitiva


O que a igreja fazia em suas reuniões nos lares? Como era a programação, ou a liturgia?
Impressionantemente, não há no Novo Testamento nenhuma liturgia descrita ou indicada, nem mesmo um padrão ritualístico que possa ser imitado. Sabemos pelo livro de Atos que eles comiam juntos em suas casas e que “partiam o pão”. Além disso, sabemos que oravam e estudavam a “doutrina dos apóstolos”. Mas, não sabemos se comiam no começo das reuniões, no meio ou no fim delas, nem se o momento do estudo bíblico era antes ou depois das refeições ou das orações.

A melhor pista que temos a respeito do que acontecia nas reuniões das igrejas do primeiro século é encontrada em 1 Coríntios 14.26-33, que diz:

“Quando vocês se reúnem, cada um de vocês tem um salmo, ou uma palavra de instrução, uma revelação, uma palavra em uma língua ou uma interpretação. Tudo seja feito para a edificação da igreja. Se, porém, alguém falar em língua, devem falar dois, no máximo três, e alguém deve interpretar. Se não houver intérprete, fique calado na igreja, falando consigo mesmo e com Deus.
Tratando-se de profetas, falem dois ou três, e os outros julguem cuidadosamente o que foi dito. Se vier uma revelação a alguém que está sentado, cale-se o primeiro. Pois vocês todos podem profetizar, cada um por sua vez, de forma que todos sejam instruídos e encorajados. O espírito dos profetas está sujeito aos profetas. Pois Deus não é Deus de desordem, mas de paz.”

Nesta passagem, dá para sabermos o que acontecia nas reuniões das igrejas bíblicas. Cada pessoa podia compartilhar, durante a reunião da igreja, um salmo (uma música), uma palavra de instrução, ou uma revelação (ou profecia). Como ainda não havia presbíteros naquela igreja à época que Paulo escreveu esta carta, ele recomendou que todos os que não eram profetas deviam julgar as profecias dadas pelos que tinham este dom, para que não ocorressem profecias falsas. Um irmão poderia dar uma palavra em uma língua estranha, desde que fosse acompanhada pela adequada interpretação. Cada um podia usar seus próprios dons nas reuniões da igreja! E todos os irmãos deveriam participar, sendo um de cada vez, com ordem, conforme a orientação do Apóstolo, “pois Deus não é Deus de confusão”.

Um quadro bem diferente do que se vê nas congeladas liturgias das igrejas chamadas de históricas, ou nas liturgias tipo “feira-livre” das igrejas ditas pentecostais.

O que acontecia primeiro? Bem, se esta passagem expressa uma liturgia da igreja primitiva, uma seqüência de ações que aconteciam de forma padronizada nas reuniões das igrejas, a liturgia era:

1. Músicas ou poesias. Cânticos eram entoados por alguns irmãos ou poemas eram declamados, enquanto os outros ouviam.
2. Pregações ou estudos bíblicos diversos. Ministrados por quaisquer irmãos que tivessem algo a compartilhar, e não só pelos presbíteros-pastores ou diáconos.
3. Profecias. Duas ou três pessoas a cada reunião, dotadas com o dom espiritual da profecia, podiam profetizar, uma após a outra. E os outros precisavam julgar o conteúdo das profecias dadas (talvez como os Bereanos faziam, auditando-as segundo as Escrituras!).
4. Línguas. Os que tinham o dom espiritual de falar outras línguas, faziam uso dele, se, e somente se, tivesse quem as interpretasse.

Antes ou depois dessas coisas, talvez fossem realizadas as refeições e as orações. Em algum momento da reunião, também ocorria o recolhimento de ofertas para os necessitados e para o sustento dos apóstolos-missionários.

Que liturgia fantástica! Uma pessoa incrédula que visitasse uma igreja que se reunisse assim, ficaria impressionada (ou escandalizada)! Ou se converteria ou odiaria de vez os cristãos.

Por outro lado, caso a passagem não expresse uma liturgia fixa, temos aí listadas apenas as suas práticas, que podiam ocorrer em ordens variadas nas reuniões. Se era assim, nenhuma reunião era igual à outra, em termos de liturgia. E mais, talvez não aconteciam todas essas práticas em todas as reuniões.

Assim, apesar de organizada, ou a igreja primitiva não tinha uma liturgia pré-fixada para suas reuniões, ou ela tinha uma liturgia bastante flexível e, principalmente, completamente participativa.

Não há uma só indicação, no Novo Testamento, da liturgia engessada como vemos nas igrejas institucionais de hoje. Essas liturgias são mais ou menos assim:

· Oração inicial – feita por uma “autoridade eclesiástica” do “clero”.
· Música – dirigida pelos “ministros de música”;
· Recolhimento de ofertas e dízimos – feito geralmente pelos diáconos;
· Oração de consagração pelas ofertas e dízimos – feita por autoridades da igreja;
· Pregação do sacerdote ou pastor;
· Apelo;
· Ceia do Senhor (em alguns dias), cujos elementos (pão e vinho) são primeiro consagrados por presbíteros e depois distribuídos também por eles. Nas igrejas católicas, a distorção neste ponto é ainda maior.
· Cântico final – dirigido pelo pastor.
· Oração final (geralmente de bênção “apostólica”).

Como se chegou a este tipo de liturgia? Isto não dá para abordar neste artigo. Aliás, não preciso escrever sobre isto. Leia o livro Cristianismo Pagão de Frank Viola e você descobrirá[1]. Mas é visível a diferença litúrgica entre as participativas e vibrantes reuniões da igreja primitiva nas casas e das seletivas e congeladas reuniões das igrejas de hoje, nos templos. Se um cristão primitivo viajasse no tempo e chegasse numa igreja de hoje, teria um ataque nervoso. Talvez, tomasse a palavra do pastor ou do padre e, aos gritos, chamasse a atenção de todos para voltar às origens, em nome de Jesus.

Somente uma pequena parte das pessoas na moderna igreja institucional atua nas suas reuniões – o “clero”, enquanto a maior parte das pessoas apenas assiste passivamente, ou recebe o “serviço”, (como os americanos do norte chamam o culto). Um modelo que minora este aspecto seletivo elitista clerical nas igrejas institucionais é o que chamam de rede ministerial. Porém, este modelo nem chega perto das reuniões da igreja primitiva. Aliás, é um modelo inspirado no Velho Testamento. Mais uma vez o odre velho!

Enfim, o modelo encontrado no Novo Testamento, o modelo bíblico de igreja, no tocante à liturgia não é o institucional; é o modelo das igrejas nos lares.

Marcio Rocha

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[1] Este livro pode ser baixado gratuitamente no site da editora restauração – www.editorarestauração.com.br

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