segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Cada crente um ministro

Publicado por @paoevinho em Categoria: Odres Novos

Pergunta feita no Formspring.me:

@Pedro Rocha: Você acha que cada crente, se treinado, possui a capacidade de liderar uma célula, um núcleo, etc…? liderar também não seria um dom, e com isso chocaria com o princípio do ministério orientado por dons?

CADA CRENTE UM MINISTRO na Igreja celular normalmente quer dizer que o alvo de cada crente deve ser “liderar uma célula”, o que normalmente se entende por pregar ou conduzir um estudo bíblico. Alguns preparam seu próprio estudo, outros são obrigados a facilitar o estudo da “mensagem de domingo”. Esta filosofia adotada pelos modelos de crescimento representa uma uniformização ministerial, em contraste gritante com a multiforme sabedoria de Deus. Penso que esta é uma das grandes diferenças entre a Igreja em células e a Igreja nos lares, muito embora as pessoas se confundam na terminologia. Permita-me abrir um parênteses antes de responder sua pergunta.

Os modelos de crescimento (G12, MDA e afins) trouxeram um certo renovo à Igreja denominacional pelo princípio da descentralização ministerial. Os pastores entenderam que deveriam cumprir na prática, e não somente em retórica, o que diz a Palavra de Deus:

… e o que de mim ouviste de muitas testemunhas, transmite-o a homens fiéis, que sejam idôneos para também ensinarem os outros (2 Tim. 2:2).

Muitos pastores gritaram raivosamente de seus púlpitos contra os modelos de crescimento no final da década de 90 mas, mais de 10 anos depois do “boom” do movimento celular no Brasil, a poeira já abaixou e o G12, aparentemente, não é mais tão ruim assim: o Malafaia já beijou o Terra Nova, e muitos dos que outrora condenavam o movimento celular eregiram os mesmos pilares de “ganhar, consolidar, discipular e enviar” em suas Igrejas, somente mudaram a nomenclatura de algumas coisas para não se associarem ao G12.1

No tocante à multiplicação de líderes, devo reconhecer que esta foi uma mudança de paradigmas positiva trazida pelo movimento celular à Igreja institucional. Entretanto, em minha opinião, a aplicação que algumas igrejas celulares têm dado ao princípio carece de melhorias. Não quero falar de maneira generalizada aqui, porque sei que, apesar de toda esta euforia (estilo “Amway”) que permeia estes movimentos, há gente mais madura que trabalha de forma séria. Mas quero aqui ressaltar aquilo que vejo como uma falha a ser corrigida nos modelos de crescimento:

Algumas igrejas celulares são verdadeiras máquinas de xerox: todos os seus ministros saem com o mesmo formato, com as mesmas funções, ministrando da mesma forma e falando praticamente a mesma coisa.2 Esse processo robotizado não é tão diferente do da Igreja tradicional, com a diferença de que na Igreja tradicional o candidato ao ministério precisa passar por 3 ou 4 longos (e às vezes caros) anos de seminário bíblico antes que possa molhar seus pés para batizar seu primeiro convertido; enquanto isso, os gedozistas eliminam a burocracia do diploma e capacitam seus líderes através de uma maratona de programas, realizados dentro da própria Igreja, a saber: pré-encontro, encontro, pós-encontro e escola de líderes.3 A única diferença entre a Igreja tradicional e a celular neste sentido, é que a Igreja celular é uma máquina de xerox muito mais veloz do que a tradicional, devido à eliminação de burocracia religiosa.

O resultado disso, já sabemos: como os líderes todos possuem o mesmo molde, muita gente se vê obrigada a “ser líder de célula” (isto é, ensinar nos grupos caseiros) e operar fora de seu dom. Os resultados são os mais catastróficos. Em muitas igrejas celulares, não há verdadeiro discipulado, tampouco relacionamento. O que há , na verdade, é um programa a ser cumprido e mais uma camada na hierarquia piramidal a ser criada. Muitas destas igrejas são como enormes granjas que produzem suas galinhas em massa, todas com a mesma ração, todas com o mesmo tratamento. Não há espaço para a espontaneidade, nem para a expressão do dom natural de cada crente.

Em um ambiente de Igreja orgânica, forma-se discípulos. “Ganha-se, consolida-se, discipula-se e envia-se” com a diferença de que dois princípios são observados:

1) Discípulo não é como bolo, que se coloca 40 minutos no forno e já está pronto. Não há programa a ser cumprido, não há receita de bolo a ser seguida, não há tempo estabelecido para a formação de um ministro. O desenvolvimento do discípulo deve ser natural e a seu próprio tempo, fruto das juntas e medulas do Corpo bem conectadas e ajustadas, isto é, relacionamentos profundos que, além de estudos bíblicos, proporcionem ensinamentos práticos através da comunhão, da admoestação, do encorajamento e do serviço mútuos.

2) O alvo de todo discípulo deve ser se tornar um ministro (servidor) da Nova Aliança. Isso não quer dizer que todos se tornarão pregadores ou “líderes de célula”. Quer dizer que ministrarão aos demais santos de acordo com seu dom natural em um ambiente de congregação: seja doutrina, seja profecia, seja hospitalidade, seja administração. A sabedoria de Deus é multiforme, e não uniforme.

Portanto, respondendo sua pergunta: uma vez que a rigidez da Igreja celular normalmente não dá muito espaço para a espontaneidade, penso que é impossível que todo crente se torne um bom “lider”, porque nos moldes do G12 e afins, líder é o que ensina a Palavra na célula, mas nem todos no Corpo de Cristo possuem o dom de ensino.

Em um ambiente de Igreja orgânica, líderes não são escolhidos por cumprirem um determinado programa, e sim por seu caráter, maturidade espiritual, bom testemunho e frutos espirituais. Eles não funcionam como mediadores, e sim como irmãos mais velhos que não dominam o rebanho, mas aparecem na hora certa para orientar as ovelhas. Nas reuniões, há espaço para a espontaneidade do Espírito, e ministro é todo aquele que flue em seu dom espiritual e o usa para a edificação de seu irmão. Cada crente um ministro, e cada ministro com sua própria expressão.

NOTAS

[1] Um exemplo de como as coisas mudam: um pastor brasileiro, conhecido no interior do Estado de São Paulo, foi um dos maiores opositores do G12 em sua cidade, e levou até mesmo o Silas Malafaia para pregar em sua igreja contra o movimento. No ano de 2006, estive em um estado da região dos EUA conhecida como New England e lá visitei uma comunidade evangélica de brasileiros. Para minha surpresa, fiquei sabendo que, uma semana antes de minha passagem por lá, este pastor havia não somente pregado na Igreja (que é G12), mas havia também participado de um Encontro.
[2] 7 em cada 10 palavras pronunciadas entre os gedozistas é “VISÃO”.

[3] Algumas igrejas celulares permitem que seus líderes batizem seus próprios discípulos. Outras, delegam esta tarefa ao pastor principal, dependendo do estatuto da denominação.


© Pão & Vinho

Este texto está sob a licença de Creative Commons e pode ser republicado, parcialmente ou na íntegra, desde que o conteúdo não seja alterado e a fonte seja devidamente citada:http://paoevinho.org.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagens populares