@Pedro Rocha: Sempre ouço, e também me preocupa, o fato de receber pessoas estranhas em casa. Afinal, nossa casa é nosso lar (local mais privativo não existe), onde reside nossa família, nossas crianças, e sempre ouvimos falar de pessoas mais antigas que os tempos mudaram, que os filhos não mais brincam nas ruas, e isso tudo por causa da violência. Diante disso como superar o problema de não fazer acepção de pessoas, uma vez que o drogado, o bêbado, o mendigo, a prostituta, que ainda não passaram por transformação, também deverão ser recebidos em nossas lares? [...] Por certo devem existir muitos outros problemas além desses, que é preciso refletir.
Em primeiro lugar, obrigado por sua pergunta. Como você colocou, certamente há outros desafios resultantes de reunir-se em uma casa como Igreja. Na verdade, é muito mais fácil reunir-se em um salão, de maneira formal e impessoal, do que de uma forma mais orgânica, onde você precisa necessariamente conhecer as pessoas e lidar com elas mais de perto. A premissa principal da Igreja orgânica é conhecer as pessoas na intimidade, e neste processo somos mutuamente expostos às nossas fragilidades e “defeitos de fabricação” pós-queda. Defitinivamente, a Igreja orgânica não é para aqueles que não desejam lidar com problemas.
Estarei escrevendo a respeito de outros desafios da Igreja nos lares, mas aqui me concentrarei na questão dos excluídos. Não quero ditar uma regra, somente compartilhar algo do que vivo nesse sentido e sugerir algumas coisas. A questão continua aberta para que outros irmãos possam participar com outras idéias, enriquecendo o diálogo com outras experiências pessoais.
Entendo que há pessoas que operam no dom sobrenatural da hospitalidade. Conheci gente que não se importa com essa questão: irmãos que não somente dão de comer, mas que deixam aqueles mendigos – cabeludos, barbudos e fétidos – banharam-se e barbearem-se em suas casas. Isso é muito lindo, mas de fato não é para todos. Portanto, a maneira de lidar com esta questão depende do anfitrião.
Para mim, “bêbado” somente deve participar da reunião se estiver sóbrio (parece um paradoxo, mas acho que você me entende). Evangelizar bêbado na praça é divertido – alguns querem sair no braço contigo e outros te abraçam e choram – mas em um contexto de reunião familiar não é inteligente ter alguém embriagado fazendo arruaça enquanto os irmãos tentam orar ou ler as Escrituras. Cada coisa no seu lugar, e isso não é uma questão de acepção e sim de inteligência. Se quiser participar, tem que esperar “la cruda” passar. Do contrário, vai ouvir “as quatro leis espirituais” na rua mesmo.
Quanto aos drogados, posso dar um exemplo bem atual: em nossa comunhão, nos reunimos na casa de uma senhora que no passado foi viciada em drogas. Depois que se livrou disso, sofreu ao ver seus três filhos com o mesmo problema. Deus livrou todos os seus filhos do vício (dois deles já estão no Caminho) e por isso sua paixão é lidar com os excluídos da sociedade. Neste grupo há quatro ex-viciados em drogas (eu mesmo batizei um deles). Eles fazem parte do Narcóticos Anônimos e estão sempre trazendo gente das ruas para as reuniões. Há quatro crianças vivendo na casa – os netos desta senhora – mas este parece não ser um problema para esta família. O que eu percebo é que as pessoas que passaram pelas ruas não possuem os mesmos pudores e temores que os demais.
Por isso, repito: a maneira de lidar com esta questão depende do anfitrião. Minha experiência é a de que sempre há pessoas no Corpo dotadas de uma graça especial e uma medida extra do dom de hospitalidade. É importante, no entanto, entendermos que não dependemos de uma sala de estar ou de um “templo” para alcançar os excluídos. Se nossa preocupação com essa gente realmente é legítima, devemos nos antecipar a eles e alcançá-los em seu habitat natural, ao invés de esperar que eles venham até nós. Vejo isso no ministério de Jesus.
Já que nos livramos dos “templos”, é saudável nutrirmos o hábito de respirar ares frescos e, de vez em quando, nos reunirmos onde estas pessoas se encontram – a exemplo do que estanobre comunidade no nordeste brasileiro está fazendo, nesta região chamada Cariri. Se Jesus estivesse caminhando na terra nos dias de hoje, não me surpreenderia ao vê-lo em uma mesa de boteco compartilhando o Evangelho com os beberrões (e ver os santões religiosos descendo a lenha nele).
Na verdade, certas categorias de pessoas raramente vão a uma reunião da igreja, por que não se sentem bem vindas – nem mesmo nos “templos”. Enquanto não superarmos certos pudores e temores, estas pessoas continuarão do lado de fora da comunhão, independente do lugar escolhido para as reuniões.
Onde eu vivo, os gays não querem saber da Igreja, nem as prostitutas e nem os drogados, de modo que quando um destes me aparece dou glórias a Deus. Agora, se em seu contexto em particular, receber os excluídos em uma casa de família se torna algo inviável, não há problema. Siga o modelo de Jesus: ele desfrutava de momentos a sós, íntimos, com seus discípulos e depois saia ao ar livre para ministrar às multidões. Isso seria até mais eficiente do que esperar que um travecão ou uma prostituta, por exemplo, venham a uma reunião da igreja – algo que, cá entre nós, raramente acontece.
O melhor a fazer, Pedro, é reunir-se em nome do Senhor e confiar nele para estas questões. Não é necessário convidar estas pessoas para frequentar as reuniões logo de imediato. Se o fator “segurança” for o problema, pode-se lidar com elas em seu habitat natural, ou visitá-las em suas casas até que Deus faça uma obra no coração delas, inclusive fazendo de uma destas casas o ponto de encontro da ekklesia. Foi assim que Jesus evangelizou os publicanos de sua época: na casa de Mateus, o publicano (essa tem sido a nossa experiência). Na verdade, este é o IDE. Mas se ele enviar alguém deste calibre até vocês, regozijem-se e orem ao Senhor, confiando nele para discipular e equipar esta gente tão ferida e carente de Deus.
© Pão & Vinho
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