@4ms: Em um de seus artigos você alega que o dízimo não era uma prática da Igreja gentílica. Como você interpreta 1a Corintios 16:2?
Obrigado por sua pergunta.
As lentes teológicas pelas quais lemos certos textos está embaçada, na melhor das hipóteses, e totalmente riscada na pior delas. Em minha interpretação, o versículo não diz exatamente aquilo que muitos pensam que ele diz. Já vi pregadores usarem esta passagem para provar que a Igreja neotestamentária recolhia dízimos, assim como você parece crer. Entretanto, não penso que isto seja o que a passagem nos demonstra. Analisemos a Escritura:
Quanto à coleta para os santos, fazei vós também como ordenei às igrejas da Galácia. No primeiro dia da semana, cada um de vós ponha de parte, em casa, conforme a sua prosperidade, e vá juntando, para que se não façam coletas quando eu for. E, quando tiver chegado, enviarei, com cartas, para levarem as vossas dádivas a Jerusalém, aqueles que aprovardes. (1 Coríntios 16:1-3)
Observe que Paulo se refere aqui a uma oferta voluntária e não ao recolhimento de dízimos.
Em primeiro lugar, a oferta em questão sequer seria recebida pela Igreja local ou pelos presbíteros. Os santos deveriam juntar este dinheiro em suas próprias casas e quando Paulo chegasse em Corinto entregar-lhe a oferta em mãos.
Em segundo lugar, a oferta tampouco se destinava à Igreja local, e sim à Igreja em Jerusalém em função da calamidade pública que afligia os santos na ocasião. Era uma oferta circunstancial, ou seja, em função da necessidade. Não se trata de um imposto religioso de caráter compulsório.
Paulo em momento nenhum usa a palavra “dízimo” na passagem, e sim a expressão “conforme à sua prosperidade”. O apóstolo não estipula nesta passagem, nem em nenhuma de suas cartas, um percentual fixo para a contribuição, mas deixa à consciencia individual para decidir o valor da oferta de acordo à sua capacidade financeira.
Assim, o texto acima não prova que os santos da Igreja primitiva dizimavam, somente que ofertavam de acordo à necessidade dos irmãos, uma prática encorajada e praticada entre as igrejas caseiras. Permita-me esclarecer que estou disposto a crer (ainda que as Escrituras não nos digam) que havia, na Igreja gentílica, pessoas que usavam o percentual de 10% como referência para ofertar na Casa de Deus, de forma voluntária. Mas minha crença vai até aí. Não encontro base bíblica para afirmar nada que vá além disso.
Entendamos que os gentios nasceram fora do sistema sacerdotal-templocêntrico veterotestamentário. Não havendo templos nem casta sacerdotal a serem mantidos, a razão de se cobrar o dízimo obrigatório cessou. Além disso, nos outros dois artigos que escrevi a respeito do dízimo, procurei demonstrar biblicamente, entre outras coisas, quatro pontos que são fundamentais em nosso entendimento desta questão:
1) O dízimo não era cobrado em dinheiro, somente em lã e frutos da terra. Assim:
2) O dízimo somente era cobrado dos donos de terras e de rebanhos. Portanto, nem mesmo no sistema judaíco de templos e castas sacedotais, os carpinteiros (como Jesus), pescadores (como alguns dos 12) e fazedores de tenda (como Paulo) estavam obrigados a dizimar perante a Lei, somente a pagar o imposto do templo (algo bem distinto do dízimo).
3) No sistema de dízimos da Tanach (ou Antigo Testamento) os ricos dizimavam e os pobres eram beneficiários, não contribuintes.
4) A Igreja primitiva gentílica, fora dos arraiais do judaísmo, não dizimava, somente ofertava conforme a necessidade, algo que não somente a Bíblia demonstra, mas que Pais da Igreja como Tertuliano ensinavam e a História dos seis primeiros séculos da Igreja confirma.
Todos os pontos acima são explicados, com suas devidas referências, em meu artigo “O Dízimo na Bíblia e na História.”
© Pão & Vinho
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