quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Saindo do Aquário

Publicado por @paoevinho em • Categoria: Odres Novos

O artigo abaixo foi publicado na Revista Igreja sob o título: “Quem Precisa de Igreja?”

Como o caro leitor constatará por si mesmo, a matéria é excelente. O título original, entretanto, deixa a desejar por dar a impressão de que os cristãos que se reunem nos lares “não precisam de Igreja.” Esta é uma inverdade que vem sendo usada pelos defensores da Igreja institucional contra a Igreja nos lares, algo que não corresponde à realidade. Vale lembrar que a Igreja é o habitat natural do cristão, e ela não depende de uma capelinha para ser considerada Igreja. A Igreja Orgânica/Simples/nos lares não é anti-igreja, é somente contra o institucionalismo.

Grupos independentes de cristãos se multiplicam pelo país, mas sofrem duras críticas. É possível servir a Cristo e cultuá-lo longe das quatro paredes dos templos evangélicos? Para uma classe diferentes de cristãos que vem crescendo a cada dia, a resposta é “sim”.

Segundo o Censo 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quase 1,1 milhão de brasileiros se declararam evangélicos sem vínculo institucional. Boa parte desse contingente se declara desiludida com as instituições religiosas, pastores e líderes, e resolveu formar um grupo de cristãos que realizam reuniões nos lares, sem vínculos com igrejas.

A filosofia desses grupos se baseia na formação do cristianismo e da igreja primitiva como relatado em Atos 2:44-46. Na maioria dos cultos celebrados nas casas, existe tudo o que há em uma igreja tradicional, como a Ceia, o ofertório com dízimos e ofertas, cânticos espirituais etc. Variando um pouco de lugar para lugar, eles procuram dar ênfase aos relacionamentos interpessoais, na comunhão entre os irmãos, no discipulado.

Para o pastor Edgard Bravo Nogueira, que lidera vários grupos com essa filosofia no Estado do Rio de Janeiro, em Jundiaí (SP), Belo Horizonte (MG), São Luís (MA) e na Hungria, a ordem de Jesus foi fazer discípulos em todas as nações, e o ambiente doméstico é apropriado para isso. “Não dá para fazer discípulo no meio das multidões”, afirma o pastor, que há 25 anos trabalha na fundação e restauração de “igrejas” (grupos que se reúnem em casas). “Temos normalmente uma reunião geral uma vez por mês em uma escola, um galpão, um salão de festas ou mesmo na praça pública. Nessa questão, somos bastante flexíveis porque a ênfase não é a casa, mais a igreja, que somos nós”, explica.

Segundo Nogueira, é um erro de interpretação acreditar que todos os cristãos da igreja primitiva iam aos templos (Atos 2:46), dada a limitação do espaço físico. “Era impossível caber 3 mil pessoas. Eles se reuniam em praça pública, em frente ao templo”, argumenta. O pastor cita os versículos 42 a 47 do segundo capítulo de Atos para descrever o ideal que seu grupo almeja conquistar. “A igreja primitiva vivia dessa forma e procuramos viver o máximo possível assim, ainda que admita que estejamos muito longe do alvo. Mas observe que tudo começava com estudo, comunhão, partir do pão e orações. Procuramos dar ênfase a esse início de vivência registrado em Atos.”

Um dos frutos desse trabalho é o empresário Alexandre de Mello Ferreira, que há cinco anos freqüenta as reuniões com sua esposa e a família dela. Alexandre se converteu aos dezesseis anos, na Primeira Igreja Batista em Pavuna, zona norte do Rio de Janeiro, mas aos poucos foi percebendo que aquele não era o modelo de igreja do qual queria fazer parte. “Nesse grupo, vivo realmente o que devemos ser: igreja. Quando vi na Palavra o que realmente é a igreja, decidi sair. Não foi por convencimento de ninguém, e sim pelo do Espírito Santo”, afirma Alexandre. Ele alerta o cristão a olhar mais para o próximo do que para prédios confortáveis para cultuar a Deus. “Creio que, quando a igreja do senhor entender o que realmente é ser igreja de Jesus e deixar de se preocupar com belos templos, e sim com o templo principal, que somos nós, em muito o Evangelho no Brasil e no mundo irá fazer a diferença.”

Inconformados

Esse inconformismo também motivou o administrador de empresas David de Oliveira. Há cinco anos, ele saiu da igreja que freqüentava, em Goiânia (GO), para viver outro tipo de cristianismo.

“Em cada palavra do sermão, via muito egocentrismo e Jesus relegado a segundo, terceiro plano ou lugar nenhum. Moças dançando, instrumentistas dando os seus shows, muito teatro e representações humanas bonitas e suntuosas, porém tudo aquilo me fazia mal”, conta o administrador, que resolveu conversar com o pastor sobre o assunto.

“Comuniquei que estava saindo por causa de uma revelação ou releitura bíblica. Demos as mãos e nos despedimos em paz. Minha família não entendia, mas, mesmo assim, saí.” David rebate os críticos que usam o texto de Hebreus 10:25 (“Não deixando a nossa congregação, como é costume de alguns”) para condenar essa prática. “Esse é um versículo que, como uma arma, é disparado instantaneamente contra aqueles que não têm seus nomes em alguma organização institucionalizada”, argumenta. “Mas será que essa bala detona o conceito de que não há modelos organizacionais hierárquicos no Novo Testamento que se assemelhe aos atuais? Na época em que o livro de Hebreus foi escrito, por volta de 64 d.C., as congregações ou reuniões eram feitas nas igrejas domésticas ou casas particulares.”

Assim como David Oliveira, o consultor Roberto Batista de Lima ainda não se adaptou a um grupo específico de cristãos sem igreja. Ele e sua família vão à residência de irmãos que realizam cultos em casa, mas não há ainda uma organização bem definida. “Caminhamos com vários irmãos de outros ministérios que têm igreja em casa, mas não existe nenhum compromisso entre nós a não ser do respeito e amor fraternal. Temos reuniões aos domingos, quando normalmente compartilhamos alguns trechos da Bíblia com ênfase na graça de Jesus, cantamos e oramos. Tudo muito simples e informal. Não tiramos dízimos ou ofertas, a não ser quando sabemos que alguém está com dificuldade. Aí nos reunimos e cada um contribui com o que pode para ajudar o necessitado”, explica Roberto, que mora em Santa Bárbara d’Oeste, interior de São Paulo.

Em 2003, ele deixou uma igreja neopentecostal, onde era líder da juventude, por discordar da linha teológica. “Eu era fortemente contrário à visão daquela igreja, baseada no G12. Alguns que andavam comigo saíram também, e a partir daí começamos a nos reunir em casas. Tudo isso nos fortaleceu a consciência de buscarmos um caminho que fosse diferente do que eu, minha família e aqueles irmãos tínhamos trilhado por anos a fio”, revela.

De norte a sul do país, grupos de cristãos sem igreja se formam com pessoas inconformadas e revoltadas com os rumos que as denominações evangélicas estão tomando. Frieza e mercantilismo são algumas das reclamações desses novos “cristãos primitivos”. Até mesmo uma TV na internet foi criada para ser veículo da voz dos inconformados. A i-TV (TV dos Inconformados) prega o cristianismo aos “sem igreja”. A idéia partiu do professor de História do Cristianismo Leandro Villela de Azevedo, que pertencia a uma Igreja do Evangelho Quandrangular que fechou.

“Após uma noite em claro em oração, angustiado pela situação da igreja, recebi a idéia da i-TV praticamente pronta em minha mente, e acredito que isso veio de Deus”, relata o professor, que está fazendo doutorado na USP sobre a pré-Reforma. Ele acredita que esse movimento é uma tendência mundial. “Somos um grupo de cristãos que, por algum motivo, se decepcionaram com as instituições religiosas. Alguns foram expulsos, outros saíram porque quiseram, mas ainda são cristãos verdadeiros”, declara o professor que, com a esposa e a família dela, faz parte de um grupo que se reúne na capital paulista.

Reconciliação

Diante de todo esse movimento para fora dos templos, há quem queira evangelizar os grupos de cristãos sem igreja e trazê-los de volta às quatro paredes dos templos evangélicos. O pastor Humberto Silva Barbosa coordena o ministério Aliança com Deus, que se especializou em convencer cristãos sem igreja a se reconciliar com a instituição.

“O trabalho surgiu porque percebemos que muitas denominações se preocupam somente em conquistar novos crentes e, infelizmente, têm falhado em manter os que já congregam”, explica o pastor. Barbosa também passou um período sem congregação. “Fui pastor de uma grande denominação, mas quando descobri toda a podridão que estava por trás daquilo, quase abandonei o Evangelho. Durante muito tempo, busquei a Deus só em minha casa e criticava qualquer denominação, até o dia em que percebi que, ao invés de somente criticar, devemos lutar para mudar sem nos acomodar.”

O ministério usa como estratégia a própria filosofia do grupo dos sem igreja. “Pregamos um evangelho que não depende do dinheiro da pessoa ou de quão santa ela deve ser para alcançar as bênçãos gratuitas de Deus. Esse evangelho é o que atrai os cristãos sem igreja, pois é o evangelho que eles sempre procuraram e não acharam nos lugares onde congregavam — o evangelho do amor, do perdão, da compaixão e da simplicidade.”

Pastores denominacionais, no entanto, discordam frontalmente dessa teoria. Para Joel Bezerra de Oliveira, presidente da Primeira Igreja Batista do Recife (PE), a igreja é uma invenção de Jesus Cristo e, portanto, não existe cristão sem ela.

“Isso é uma tremenda heresia! A igreja é o Corpo de Cristo atuante no mundo (ICo 12:12-30), e nós somos membros desse corpo. O membro não pode ficar fora do corpo, ele morre. A igreja é a família de Deus para receber, restaurar, celebrar, edificar, exercer os dons”, declara o pastor. Oliveira é firme quanto ao papel da igreja na salvação do mundo.

“Foi isso o que aconteceu no Céu, com Lúcifer, e com Adão e Eva no Edén. Quiseram ser independentes. A igreja é o único e o último projeto de Deus para abençoar as nações sendo sal e luz. A única esperança do mundo está na igreja de Jesus Cristo. E ele virá buscá-la”, diz.

O bispo Antônio Costa, presidente da Igreja de Nova Vida de Brasília (DF), concorda com o pastor Joel. Segundo ele, não há vida fora do corpo. “Nós fazemos parte de um corpo, e um membro separado do corpo não tem vida, perece. Essa teoria defendida por eles contraria tudo aquilo que Jesus instituiu. Foi Jesus quem criou e organizou a igreja”, salienta.

Nomadismo

Apesar de compartilhar da mesma opinião que seus colegas, o pastor Antônio Pereira da Costa Júnior, da Primeira Igreja Congregacional Vale da Bênção, em Santa Cruz do Capibaribe (PE), faz algumas ressalvas. “De fato, todo cristão fiel pode adorar a Deus aonde quiser. O véu já se rasgou, o caminho já foi aberto pelo sangue de Jesus”, destaca o pastor, que faz menção à vida de Paulo como um cristão que tinha tudo para não estar ligado a igreja alguma e, no entanto, defendia a instituição.

“Paulo foi um cristão que não precisou da igreja para se converter. Se existiu alguém que poderia defender a tese de que não precisamos de uma igreja local, seria o apóstolo. Porém, o próprio Paulo abriu, trabalhou e abençoou várias igrejas, sempre debaixo da consciência e da autoridade do colégio apostólico.”

Para Costa Júnior, muitos abandonam os templos evangélicos por causa de problemas que tiveram dentro da igreja.

“Se problemas fossem motivos para se abandonar os templos e viver um cristianismo hippie, então Paulo teria dito isso aos irmãos de Corinto. Apesar de tantos problemas na igreja local, o apóstolo Paulo nunca aconselhou ninguém a deixar a igreja para ser um cristão nômade pelas ruas de Jerusalém”, compara.

Fonte: Revista Igreja via “os igrejados” do Pulpito Cristão.

É incrível como os críticos da Igreja Orgânica se apoiam todos no mesmo silogismo teologicamente equivocado: Edifícios da Igreja = Templos = Casa de Deus = Igreja. Conclusão: abandonar os templos é abandonar a Igreja (!!!). “Desigrejado”, na verdade, é todo aquele que pensa ser parte da Igreja somente porque congrega entre quatro paredes. No final das contas, uma visão anti-Igreja é aquela que é incapaz de contemplar a verdadeira Igreja, pois confunde a família de Deus (Ekklesia) com um edifício.

Ecclesia semper reformanda est!

Fonte: http://paoevinho.org/?p=4532

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