Que o advento literário de Frank Viola, Neil Cole, Wolfgang Simson e outros pensadores estava causando um discreto “zum-zum-zum” nos bastidores da Igreja institucionalizada, eu já sabia. Mas ao que parece, depois de algumas décadas, a Igreja nos Lares está finalmente chamando a atenção da Igreja Institucional.
Artigos estão sendo escritos a respeito daquilo que alguns chamam de MSI ou ”movimento sem igreja”. Muitos destes artigos estão partindo da pena de irmãos de orientação reformada, e é irônico que alguns destes reformados, 500 anos depois da Reforma Protestante, soem tão católicos em seu corporativismo exacerbado:
“Fora da ‘Santa Madre Igreja’ não há Igreja …”
Realmente, comprova-se que a história não muda, somente se recicla.
Muitos vêem e se referem com desdém àqueles que decidiram sair das capelas e adorar o Senhor na simplicidade das casas. Estes são tachados pelos denominacionais de ”desviados” ou, como mais recentemente se adotou, são rotulados de “desigrejados”.
Mas quem e o que define o que é a Igreja? Um “templo”? Uma determinada liturgia? Um pastor ordenado por uma “respeitada instituição”? Um CNPJ? Uma placa pendurada do lado de fora do edifício?
Ora, amigos, se estes elementos fossem vitais para a existência da Ekklesia, seguramente o Senhor nos especificaria, com riqueza de detalhes, qual o procedimento jurídico a ser adotado para que uma comunidade de discípulos seja oficialmente reconhecida como Igreja. Ou ao tipo de liturgia a ser adotada para que um “culto” tenha o selo de aprovação de Deus. Se assim fosse, as Escrituras também dariam ênfase na construção de “casas de adoração” (ou templos) para legitimizar uma comunidade de discípulos como “Igreja”. Mas, surpreendentemente, nada disso vemos nas Escrituras.
Gostaria de lembrar os adeptos do Sola Scriptura que nenhum destes elementos caracterizou a Igreja do primeiro século. Na verdade, tais coisas eram totalmente estranhas àquilo que os primeiros discípulos chamavam de Ekklesia. Para a primeira geração de cristãos, a Igreja era simplesmente um grupo de pessoas regeneradas em Cristo que amavam a Deus, se serviam mutuamente e, em seu Nome, se reuniam de casa em casa para partir o pão, orar e ler as Escrituras (na época porções do AT e as cartas apostólicas). Esta pode até ser uma descrição simplista de Igreja para alguns, mas é exatamente esse o retrato que as Escrituras nos dão da Verdadeira Igreja.
Assim, não há nada que biblicamente impeça um grupo de cristãos que apresentam as características acima de ser chamado de Ekklesia. E quem não enxerga a igreja fora dos emaranhados institucionais seguramente sucumbiu ao danino processo da institucionalização.
Filhos “Legítimos” vs Filhos “Bastardos”
Há uma diferença entre um cristão que participa de uma Igreja institucional e um cristão institucionalizado. É possível estar na instituição sem ser institucionalizado. Alguém pode ser parte de uma denominação e, mesmo assim, desenvolver e nutrir uma visão de Reino (e não de feudo/organização). Este participa de Igreja A ou B por uma questão de convicção e conveniencia pessoais, mas jamais menospreza ou anatemiza outros irmãos em Cristo que possuem uma expressão de Corpo diferente da sua (tenho diversos amigos que se encaixam nesta categoria).
Já para um cristão institucionalizado, Deus é seu Pai e a Instituição (Católica, Batista, Assembleiana, Presbiteriana, Metododista) é a sua Mãe. São os filhos da “Santa Madre Igreja”. Surpreendentemente, a “Santa Madre Igreja” não é algo exclusivamente católico, mas está bem enraizado na Igreja Protestante. Pode ser que não apareça no chavão, mas sem dúvida é bem visível na prática.1
Um cristão institucionalizado enxerga o Reino de Deus somente pelas lentes da instituição da qual faz parte. O DNA de sua “Mãe” predomina sobre o DNA de Cristo. Qualquer pessoa que não saia das entranhas de sua “Mãe” não é seu irmão, na pior das hipóteses. Ou, na melhor das hipóteses, é um filho bastardo (mesmo pai, mães diferentes) sem direito ao mesmo sobrenome e portanto à mesma herança do filho “legítimo”.
Os cristãos institucionalizados confudem a Noiva de Cristo com seus vestidos (estruturas religiosas) e elevam os andaimes (estruturas religiosas) ao mesmo nível do Edifício de Deus a ponto de, na falta de algum destes elementos cosméticos (edifício, liturgia, CNPJ, etc), já não conseguirem enxergar a Ekklesia. Este é um caso óbvio de MIOPIA ECLESIOLÓGICA, ou CNPJlatria.
Pedras que dão à luz
Quando João Batista foi levantado para profetizar e batizar no deserto, a religião institucionalizada da época enviou emissários para perguntar-lhe quem era ele e quem lhe havia dado autoridade para fazer o que fazia. Ao mesmo grupo de religiosos, João Batista se dirigiu duramente, repreendendo aqueles que ostentavam sua linhagem para advogar privilégios diante de Deus. A estes, João disse que até mesmo de pedras Deus poderia fazer nascer filhos de Abraão.
Este é uma advertência válida nos dias de hoje a todos aqueles que permitiram que o espírito religioso do orgulho denominacional inflamasse seu ego: se Deus pode fazer com que pedras dêem à luz filhos de Abraão, certamente tem poder para fazer nascer filhos de Deus também: pessoas sem linhagem denominacional, sem a linguagem e os costumes igrejeiros de nossos tempos, com vestimentas e pregação diferentes, mas que no entanto estão em sintonia com o que o Espírito está dizendo às igrejas.
Benditas sejam as pedras que dão à luz em tempos em que as mulheres são estéreis.
Conclusão
As instituições religiosas estão passando pelo crivo do pós-modernismo. Sem dúvida Deus ainda usa a Igreja institucional, mas é preciso reconhecer que muitos de seus elementos representam modelos da Igreja Moderna que procuram atender às necessidades de uma geração pós-moderna (que está em busca de uma religião menos litúrgica e mais relacional, de carne e osso).
A Igreja Orgânica busca preencher o vácuo deixado pelas comunidades que se engessaram pelo institucionalismo. A Igreja Orgânica não é G12. Não é “Movimento Sem Igreja”. Tampouco é uma comunidade anárquica. A Igreja Orgânica é uma comunidade de cristãos que apresenta todos os elementos da Ekklesia que a Bíblia nos retrata, dispensando somente os outros elementos que, com o passar dos séculos, foram sendo agregados ao modus operandida Igreja – certas coisas que os CNPJólatras confundem com a própria Ekklesia em si, mas que não obstante não fazem parte de sua natureza: são somente elementos humanamente criados, totalmente dispensáveis à vida da Ekklesia.
NOTA
[1] Este amor denominacional em exagero é comum no coração daqueles que foram tomados por um espírito religioso, semelhante ao dos religiosos dos tempos de Cristo. Tais colocam o nome de uma determinada organização acima do Reino. Eles ignoram que o Reino de Deus é muito maior do que a ínfima organização que representam. Um pouco de conhecimento sobre a História da Igreja talvez traria algumas rachaduras a este orgulho institucional, pela conscientização de que suas organizações são relativamente novas comparadas com a idade da Igreja do Senhor (não remetem aos tempos apostólicos) e que um dia suas instituições também foram consideradas grupos rebeldes e filhotes desgarrados da “Santa Madre Igreja” da época.
© Pão & Vinho
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